Itália, 1508.
Alguns dizem que a história das lentes de contato começa aí, com o grande artista, inventor e visionário Leonardo da Vinci. Como se não bastassem sua imensa contribuição artística e as mais diversas invenções em áreas como Engenharia, Botânica e Ciências, acredita-se que da Vinci (1452-1519) foi quem primeiro imaginou as lentes de contato. Isso porque o italiano idealizou um sistema capaz de neutralizar o poder da córnea com o auxílio da água.
Em seu trabalho, da Vinci desenhou um homem com o rosto imerso em uma cuba cheia de água. Ao olhar através dela, os erros refrativos seriam corrigidos. “Hoje, sabe-se que da Vinci estava buscando, na realidade, um modelo de olho esquemático para comprovar que a imagem, ao penetrar no olho humano, sofre duas inversões, estando na posição correta ao atingir a retina. Por isso, o desenho nada tem a ver com o conceito atual de lentes de contato”, afirma a contatóloga Rosélia Vilarins.
De verdade, em 1887 – Portanto, não foi nos tempos do descobrimento do Brasil, mas somente depois de alguns séculos que a idéia da lente de contato começou a aparecer. Em 1823, o astrônomo e físico inglês John Frederick William Herschel propôs a confecção de uma espécie de lente de contato para corrigir o astigmatismo irregular.Mas as primeiras lentes surgiram de fato somente em 1887 e tinham a finalidade de proteger os olhos em vez de corrigir a visão. Elas foram fabricadas graças a um pedido do professor da Universidade de Bonn, na Alemanha, Edwin Theodor Saemisch, ao fabricante de olhos artificiais, a F.A.Müller. Saemisch queria que Müller produzisse uma lente para proteger a córnea de um paciente que tivera as pálpebras retiradas cirurgicamente.
No ano seguinte, três pesquisadores – que trabalhavam isoladamente e desconheciam as descobertas uns dos outros – apresentaram importantestato: conclusões no campo da contatologia, sendo considerados os maiores pioneiros da história das lentes de contato. São eles o suíço Adolf Eugène Fick – que estudou a correção óptica do astigmatismo irregular e desenvolveu uma lente que substituía a superfície irregular da córnea -, o francês Eugene Kalt – que em 1888, desenvolveu lentes de contato sem banda escleral – e o alemão August Muller – que estudou as lentes periscópicas, acromáticas e corneanas.
Do Vidro soprado à Tecnologia Atual
Desde então, foram inúmeros e sucessivos os avanços nos estudos, nas descobertas e no uso de materiais para lentes de contato. Grandes pesquisadores trabalharam nesse campo para chegar ao grau de requinte e ao conforto atuais. De 1895 a 1930, as lentes disponíveis eram de vidro soprado. Durante esses anos, além da dificuldade de unir conforto e boa acuidade visual, eram frágeis e facilmente se quebravam. Foi no final da década de 1930, que se conseguiu, nos Estados Unidos, confeccionar uma lente inteiramente de plástico.
Depois desse feito, foi uma descoberta atrás da outra. Fazendo uma rápida pincelada em algumas das mais importantes: em 1936, um plástico acrílico usado nas carlingas dos aviões – segundo o dicionário Houaiss, “carlinga” é a “abertura no dorso da fuselagem do avião, dotada de acomodação para piloto(s), tripulantes e passageiros” – torna-se material das lentes de contato. Trata-se do célebre polimetil metacrilato, o PMMA.
Em 1966, um novo material foi apresentado: o também conhecido hidroxoetil metacrilato, o hema. Descoberto pelo químico tcheco Otto Wichterle em 1954, teria utilizações diversas como implantes e fabricação de lentes de contato. Depois de muitas pesquisas, surgiram na década de 80 as lentes de materiais rígidos permeáveis ao oxigênio e, logo em seguida, as lentes fluocarbonadas que permitiriam uma maior passagem de gases.
As Lentes de Contato no Brasil
No Brasil, as “lentes invisíveis” – Elas eram chamadas de lentes invisíveis e sua história em solo verde-e-amarelo começa em 1950, ano em que o óptico alemão Werner Otto Hoffmannbeck, fundador da paulistana Solótica, fabrica as primeiras lentes esclerais em território nacional. Nessa mesma época, voltava de um estágio no laboratório do contatólogo Carlos João Sais, em Buenos Aires, o oftalmologista e otorrinolaringologista brasileiro Álvaro Costa, que rumara para a Argentina a fim estudar o desenvolvimento científico dos meios de correção das ametropias e da estética ocular.
Hoffmannbeck e Costa, ao lado do óptico Cyro Canto e Mello, da carioca Ótica Fluminense – que trouxe ao Brasil as “contact lenses” do laboratório norte-americano Obrig – são os pioneiros da história das lentes de contato no país, popularizando o uso do produto. As lentes esclerais brasileiras da Solótica tiveram boa aceitação dos clientes e sua expansão foi relativamente rápida.
A partir do desenvolvimento de vários modelos de lentes de contato e da grande solicitação de pessoal especializado, o Serviço de Fiscalização da Medicina decidiu habilitar os técnicos para o exercício profissional. Assim, em 1960, foram realizados os primeiros exames e, no ano seguinte, expedidos os primeiros certificados. Agora, os trabalhadores da área poderiam exercer legalmente a profissão de “Óptica prático em lentes de contato”. Os primeiros aprovados no exame foram: Rosa Maria Greco, Werner Hoffmannbeck, o Sr. Grilo (do Rio Grande do Sul) e Aylton Quintela.
Nos anos seguintes, mais certificados foram outorgados. A chegada desses novos profissionais aliada à fabricação das lentes pela Solótica e aos produtos importados deram grande impulso ao campo da saúde visual. Em setembro de 1983, a contatologia foi incluída como disciplina na habilitação de óptica, o curso técnico com nível de 2º grau oferecido pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, o Senac.
Hoje, mais de 50 anos depois do começo dessa história, estima-se que existam aproximadamente 20 mil técnicos ópticos, ópticos práticos, técnicos em optometria e tecnólogos em optometria. Apesar de ter conquistado importante espaço no Brasil, o mercado de lentes de contato ainda tem muito a crescer. “Apenas 16% dos usuários de óculos usam lentes de contato”, afirma o diretor de coordenação da unidade paulista do Conselho Regional de Óptica e Optometria (CROO), Sergey Cusato Júnior. É um segmento que ainda pode crescer avassaladoramente no Brasil”, completa.
Texto: Lucila Rupp